Um jogo de dados
Nas línguas semíticas, o radical BLL, que dá origem à palavra babel, significa “confundir”, remetendo à Torre de Babel e ao castigo divino que impossibilitou a comunicação entre os homens.
A marca babEL, contudo, não se apoia nessa referência histórica (ainda que nossa finalidade também seja a comunicação), mas, essencialmente, ela é um jogo de palavras, uma construção gráfica. Um anagrama composto pelo prefixo bab, de bienal anual búzios, e da parte final da palavra papEL, sendo, grosso modo, o papel da bab, a sua função: um meio de registro e divulgação das atividades da bienal e também o papel, suporte material para a veiculação desses registros. Contudo, seu papel se expandiu para além da bab, e de Búzios.
Em 2007, com o apoio da FUNARTE, tem início a primeira residência de artista no Norte Fluminense, na bab bienal, projeto criado pelo artista/curador Armando Mattos, que dez anos antes (de 1991 a 1997), ocupava o cargo de Coordenador de Atividades Didáticas do Museu de Arte Moderna do Rio, atuando também, no mesmo período, como curador independente da coleção Gilberto Chateaubriand e curador geral do Projeto Concreto Paulo Roberto Leal.
De 2007 a 2015, Mattos realizou atividades artísticas presenciais, trazendo, para o balneário fluminense artistas renomados, como Artur Barrio, Anna Bella Geiger, Laura Lima, Felipe Barbosa, Brígida Baltar, Roberto Cabot, entre outros, que compartilharam o espaço provisório da residência artística na Orla Bardot com artistas jovens que hoje também têm lugar de destaque no cenário das artes nacional e internacional. Nesses 8 anos de sua primeira edição, a bab trouxe para Búzios mais de 130 artistas.
No final de 2016, depois de atuar como editor cultural no pasquim buziano O Peru Molhado e finalizar, como editor geral, sua publicação em julho do mesmo ano, o artista/curador lança o primeiro número de babEL, uma proposta artística híbrida entre curadoria e editoria que já contemplava pautas que iam das artes à gastronomia, do meio ambiente ao design, da moda às novas tendências culturais.
Com o tempo, o que era um pasquim buziano alçou voo, agregando novas parcerias. Em 2018, o designer gráfico e diretor de arte Claudio Braz foi convidado para criar um novo visual para a revista; a galeria A Gentil Carioca abriu seus espaços no Rio e nas feiras de arte para a apresentação e distribuição da revista, as livrarias A Travessa e Blooks deram acesso ao grande público pelo comércio em suas estantes. A babEL ganhou o mundo. Porém, com a pandemia de Covid, a babEL também entrou em quarentena. Sua última edição foi a edição especial feita em parceria com o Projeto Abre Alas d’A Gentil Carioca.
Porém, de um limão fizemos uma limonada: o período de adesão à quarentena serviu de incubadora para novas extensões da bab que deram origem a outros anagramas. Além da babBIENAL, que podia, agora, reativar seus arquivos audiovisuais por meio de dinâmicas e ações de curadoria, surgiram: o babLAB, um laboratório para oficinas e cursos presenciais e virtuais; o babCAST, que promove, estimula e aloja entrevistas e debates; a babGALERIE, para venda de múltiplos de arte e leilões; a babMÓVEL, um container para promoção de projetos de artistas selecionados e, por último, a babEL digital, que acompanha a versão impressa Print on Demand. Assim o mundo acontece, e a bab acontece também, como um jogo de dados que se abre ao devenir, como um detour que se mira pelo olhar do flâneur.
Índios tupinambás, corsários franceses, contrabando de pau-brasil, exploradores europeus, cultivo de milho e aipim, apoio terrestre a viagens transoceânicas, tráfico de escravos, quilombos, base naval contra a navegação portuguesa e espanhola, pesca de baleias e extração de óleo, fazendas de banana, igreja do século XVIII… O que têm em comum? Que grande algazarra é essa? São agentes e fatos
Históricos pouco divulgados que sustentam as raízes e integram a rica identidade cultural da cidade que, há quatro anos, foi eleita por uma revista europeia de turismo como o melhor destino de sol e praia do mundo. Búzios não é apenas a Saint-Tropez brasileira, o mais charmoso balneário do litoral fluminense, que encantou a diva do cinema francês com suas 23 praias, na década de 60. Há muitos outros significados e vocações para além do clichê praia/gastronomia/ badalação. Essa pequena Armação carrega em si uma essência plural e vai fácil do acarajé ao champanhe, do quilombo ao turismo de luxo. A aldeia que convida ao dolce far niente, onde a sofisticação anda de pés descalços, abrigou povos diversos e desde sempre falou muitos idiomas. Foi cenário de disputas e divergências, mas convergiu com máximo encanto entre mar e continente: de um lado, recebe as mornas correntes marítimas do Equador e, de outro, as gélidas águas do Polo Sul.
Búzios tem também os quilombolas, que mantêm vivas algumas tradições da cultura africana, como o jongo, a folia de reis e de calango. Tem ainda o Mangue de Pedra, santuário ecológico e berçário de espécies da fauna eda flora tropicais. Bioma raríssimo no planeta (ao que tudo indica a Terra conta com apenas outros dois) ameaçado pela especulação imobiliária. Como diz Caetano, “a força da grana que ergue e destrói coisas belas”…
Búzios tem élan e tem a bab, a “bienal” anual de arte, que já contou com artistas conceituados, como Artur Barrio, Paulo Roberto Leal, Anna Bella Geiger, Artur Barrio, Ivald Granato, Marcos Bonisson, Brigida Baltar, Ernesto Neto e Laura Lima, entre tantos outros.
E como uma rajada de vento – tão típica da península que não tem tempo ruim na maior parte do ano – surge a babEL, a primeira ‘revista-objeto’ da região, idealizada pelo artista e curador carioca, Armando Mattos. A publicação tem a intenção de costurar toda essa diversidade já citada, afirmando a gênese cultural local e criando uma narrativa própria. É uma espécie de terceira margem a revelar um universo de linguagens, através de uma experiência estética que promete arejar em novas direções nunca dantes navegadas.
babEL convida o leitor a contemplar uma mescla de arte, design, arquitetura, moda, literatura e comportamento à beira-mar. Os suportes são belas imagens amarradas por textos curtos, expressos por colaboradores que cultivam uma relação afetiva com a atmosfera buziana. Para ler e experimentar na praia, na praça, no café, no bar, no hotel, na cama, no cais, no barco, na igreja e onde mais você quiser. A babEL é de todos.
Mônica Villela
A que se destina uma revista de arte? A falar sobre arte? E o que é arte? Quais são os seus limites, como definir até que ponto estamos falando de arte e até que ponto estamos falando da vida, ou simplesmente filosofando sobre como é ser no mundo?Babel é palavra cheia de implicações – não é por acaso que o criador da revista, Armando Mattos, a escolheu como nome da publicação. Sua justificativa costuma ser a de que bab se refere à Bienal Anual Búzios e que o “sufixo” EL serve para aludir à sonoridade da palavra papel; a revista seria, então, a extensão “papélica” da residência. Mas todo mundo sabe, Armando inclusive, que se trata de muito mais que isso.A Babel do Gênesis, aquela da torre, tem conotação negativa. Em hebraico, babel significa confusão. A estória da construção da torre que pretendia chegar ao céu e causou a ira de Deus, que espalhou o desentendimento entre os homens fazendo-os falar línguas diferentes é famosa em quase todas as culturas. Costuma ser usada para ilustrar a divisão entre as pessoas, seu isolamento perante os outros.Já esta nossa babEL é o oposto disso: babEL é polifônica, é plural, é integradora e é acolhedora. Em seus dois anos, seu papel jornal, poroso e respirável serviu de plataforma para falar da bab, de Búzios, de meio ambiente, de comida, de design, de gente que vem e de gente que vai e, sempre, é claro, de arte. Mas arte num sentido expandido, permeável, em suas trocas com todas as experiências das relações humanas, animais e vegetais, como podemos constatar pela riqueza de abordagens, não apenas dos trabalhos dos artistas que já participaram da bab, como também pelos múltiplos temas registrados em suas páginas. babEL é gestada na península, mas cada filhote se mostra híbrido, avesso ao confinamento geográfico ou temático.
Sylvia Werneck
Armando Mattos iniciou seus estudos em artes visuais em 1978, com a fotografia. No trânsito entre os anos 70 e 80, paralelamente ao curso de Comunicação Social, frequenta também cursos no MAM-RJ e no atelier de Anna Bella Geiger participando, nesse período, de várias mostras nacionais e internacionais com destaque para “Como vai você, geração 80?”.
Nos anos 90, sua produção é marcada por hibridismos e o binômio artista/curador designa suas proposições artísticas apresentadas por meio de instalações e intervenções em galerias e espaços públicos e institucionais. De 1991 a 1997, destacam-se suas atuações no Museu de Arte Moderna do Rio como Coordenador de Atividades Didáticas, como curador de mostras da coleção Gilberto Chateaubriand e de Bienais Internacionais na América Latina. No final dos anos 90, após workshop com a artista Jenny Holzer, retoma o trabalho com a fotografia. São fotos produzidas a partir de imagens de cenas criadas ou apropriadas que são digitalizadas, manipularas, reproduzidas e aplicadas a suportes da mídia publicitária, como os outdoors, backlights, revistas de moda, catálogos e livros de arte. Em 2002, fixa residência em Búzios onde passa a atuar como editor de artes no pasquim O Peru Molhado. Como curador independente realiza projetos para o Rede SESC-RJ. Em 2007 realiza em parceria com o Programa de Intercâmbios da FUNARTE, o workshop “A Arte como Fotografia”, com a artista Denise Gadelha, o qual dá inicio ao primeiro programa de residência artística do Norte Fluminense: a bab, a bienal anual de Búzios.